Reunião da Liga Kyffhäuser em Curitiba.

Eu adoro o mês de julho. Pois, no estado em que moro, Santa Catarina, é quando ocorrem os recessos escolares e acadêmicos. Apesar de não estar em férias e das instituições de ensino encherem os professores com atividades diversas, é possível sair um pouco do ar.

Aproveitei o início desta semana, a última do recesso de julho, para dar um pulo até Joinville. Cheguei lá por volta de 7h30min. Como de costume, tomei um café nas Empadas Jerke, lugar que frequento desde criança. Em seguida, fui até o Arquivo Histórico de Joinville fazer uma visita ao meu amigo e colega Dilney Cunha, historiador e atual diretor do lugar. Rolou uma conversa bacana sobre o passado e o presente com muitas possibilidades de trabalhos conjuntos em torno de temas que ele e eu estudamos. Após receber um exemplar da segunda edição do seu livro, Os suíços em Joinville, cuja apresentação para essa edição eu escrevi, nos despedimos e iniciei uma lenta caminhada até o ortodontista em que minha esposa estava sendo atendida.

Durante o início do trajeto, passei pelo Museu Arqueológico de Sambaqui. Atrás dele, está localizada uma loja de vinis e demais antiguidades chamada Zeppelin Mercado de Pulgas Joinville. Fazia tempo que eu estava com vontade de entrar lá para dar uma boa garimpada. Entrei e logo fui atendido pelo seu proprietário, um cara gente finíssima. Conversa vai, conversa vem, e ele me mostrou um material fotográfico para lá de instigante: duas fotografias de um suposto encontro nazista em Curitiba, durante a década de 1930. Putz, fiquei bem interessado no material que ele não tinha nem colocado preço ainda, muito menos anunciado.

Quando o papo estava legal, minha esposa me avisou pelo "zap" que já estava pronta. Rapidamente, peguei um cartão da loja, despedi-me e parti ao encontro da Frau para voltarmos a Guaramirim, onde estávamos hospedados na casa dos pais dela. No carro, conversei com ela sobre o material e tal. Após chegar à casa da sogra, tratei de adicionar a loja nos meus contatos de zap e mandar uma mensagem sobre aquelas fotografias. Para resumir a conversa, o cara da loja garantiu a autenticidade e a devolução da grana caso eu encontrasse algum problema no material, além de pedir um valor razoável pelas fotografias que acabei comprando.

Um encontro nazista?

Desde que voltei para casa, na última quarta-feira, não tirei os olhos dessas fotografias. De fato, em um primeiro olhar é evidente a reunião de nazistas na capital paranaense. Porém, após observá-las atentamente, traduzir os registros manuscritos sobre seus versos e situá-las historicamente, não se tratam somente do registro de um "simples" evento nazista.

Figura 1: Liga Kyffhäuser - Desfile geral da 5a. Região. Curitiba, s.d. Coleção do autor.

Figura 2: Liga Kyffhäuser - Encontro em Curitiba. s.d. Coleção do autor.

Tratam-se de dois cartões postais produzidos, provavelmente, como suvenires de um encontro da Liga Kyffhäuser realizado em Curitiba, provavelmente em meados da década de 1930. Além do conteúdo visual, foram feitas duas anotações manuscritas sobre os versos dos cartões: "Kyfh.-Bund. - Curitiba / Vorbeimarsch v. General V Region" (figura 1); "Kyfh.-Bund. - Treffen in Curitiba". Anotações que foram feitas com caneta esferográfica, em que a sílaba "ti" do nome Curitiba foi escrita com "i", não com "y", tal como na década de 1930, evidências essas de uma anotação feita muitos anos depois dos eventos fotografados.

Infelizmente, não foram impressos sobre os versos dos cartões os nomes do fotógrafo e do impressor. Contudo, sobre o verso do cartão representado na figura 1, foi aplicado o seguinte carimbo: "Photo A. Henkel Curytiba". Trata-se do estúdio do litógrafo e fotógrafo alemão radicado em Curitiba Arthur Arno Albin Armin Henkel (1883-1962). Segundo o trabalho realizado por Paulo Affonso Grötzner, Armin Henkel foi um dos grandes fotógrafos de Curitiba durante a primeira metade do século XX. Com certeza, o cartão representado pela figura 1 foi comercializado em seu estúdio. Pode ser que ele tenha sido o fotógrafo "oficial" do evento, sendo esses cartões postais seus trabalhos.

A Liga Kyffhäuser.

Kyffhäuserbund é o nome de uma entidade de ex-combatentes alemães fundada em 1900, na Alemanha, que surgiu a partir da antiga Liga dos Guerreiros Alemães (Deutsche Kriegerbund). Seu nome é originário do Monumento Kyffhäuser (Kyffhäuserdenkmal), localizado no monte Kyffhäuser, na Turíngia. O monumento foi erguido em memória ao imperador Guilherme I (1797-1888), sendo inaugurado em 1896.

Durante o regime nacional-socialista (1933-1945), a Liga Kyffhäuser foi nazificada, bem como as demais instituições civis e públicas alemãs. Essa nazificação fica evidente, principalmente, na figura 1, em que aparece no canto direito da imagem um porta-bandeira com a bandeira da entidade nazificada com uma suástica, Até 1934, a bandeira da Liga Kyffhäuser possuía no seu centro uma imagem estilizada no Monumento Kyffhäuser.

Em 1943, contudo, a entidade foi extinta pelo próprio governo nacional-socialista. Na República Federal da Alemanha, a Liga Kyffhäuser foi desnazificada e recriada em 1952, sendo, atualmente, uma organização voltada à promoção do tiro esportivo e das sociedades de atiradores na Alemanha.

Ex-combatentes e imigrantes.

Dilney e eu já encontramos anúncios de reuniões da Liga Kyffhäuser publicados pela imprensa periódica de língua alemã em Santa Catarina. Ele mencionou o Kolonie Zeitung, de Joinville. Se não me falha a memória, encontrei um ou dois anúncios em um dos antigos jornais teuto-brasileiros publicados em São Bento do Sul, no início do século XX. O fato é que a emigração de ex-combatentes, especialmente, da Grande Guerra (1914-1918) para o Brasil e seu associativismo são temas que ainda não foram tratados pelas histórias militar e social. Não se trata de uma tarefa simples, tendo em vista a dificuldade na obtenção de fontes para uma boa pesquisa. Contudo, não se pode ignorar sua presença no passado das colônias alemãs no Brasil.

Outro fato importante.

Diante de tanta manifestação de neonazismo no Brasil contemporâneo, em que as fronteiras entre o fascínio, o colecionismo e o estudo sério são tão tênues, seria uma má ideia dar visibilidade pública a esse material?

Não seria melhor deixar quieto e compartilhar essa descoberta somente entre um círculo pequeno de estudiosos?

Acredito que não. Pois, entendo que reunir, estudar e dar visibilidade pública a esse tipo de material, de forma séria e responsável, são essenciais para o combate contra o extremismo político ao qual o neonazismo está vinculado. Recentemente, publiquei na Revista Brasileira de História uma resenha sobre o último livro de Richard Evans, Conspirações sobre Hitler. Encerrei o texto com a defesa do estudo sobre teorias conspiratórias como um meio de refletirmos os usos públicos do passado e a própria escrita da história.

Trata-se de um exercício de cidadania em tempos de neonazismo descarado, que busca na fetichização das fontes históricas e na leitura tosca do passado alguns dos seus fundamentos.

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