Cartões postais e Colonialismo, parte 1.

Os cartões postais são uma invenção do século 19, no contexto do desenvolvimento dos serviços de correios impulsionado pela reforma postal inglesa de 1840 e das técnicas de impressão com destaque para a fotografia e a litografia.

Como um bem de consumo, o cartão postal é sempre pensado no seu consumidor e no que ele, a partir do seu imaginário, espera encontrar no lugar em que visita (ou apenas de passagem), do qual o cartão postal adquirido é um souvenir.

Portanto, a imagem visual reproduzida em um bilhete ou cartão postal é sempre idealizada, muitas vezes à revelia dos sujeitos ou dos espaços representados. Especialmente, quando os responsáveis pela sua produção tem nada a ver com as pessoas e os locais retratados nos próprios cartões postais.

Isso fica evidente quando são examinados, por exemplo, os bilhetes e cartões postais produzidos entre o final dos oitocentos e o começo dos novecentos por empresas como The Cairo Post-Card Trust ou André Terzis & Fils, que abasteceram os mercados do Oriente Médio.

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Cairo - Cenas Nativas é o título do cartão acima, produzido pela The Cairo Post-Card Trust, empresa fundada por Joseph Max Lichtenstern, em 1899. Trata-se de uma cromolitografia em que foi retratado um grupo de moradores da cidade do Cario, "nativos", como sugere o título do cartão postal, que foi impresso na Itália, em Milão.

Como em outros cartões produzidos pela empresa, destaca-se o exótico, expresso pela cultura material, pela aparência dos sujeitos retratados, dois dos quais de cócoras - da esquerda para a direita, alimentando-se com a mão esquerda, enquanto o outro bebe algo. Os pés descalços, as roupas completamente diferente da indumentária ocidental em um cenário possivelmente elaborado para a composição da própria imagem reforçam o exotismo que será consumido como souvenir por algum europeu de passagem pelo Cairo - o que de fato foi, pois o cartão postal em questão pertenceu a um ex-soldado do Exército Imperial da Alemanha, Kurt Haaben, que serviu na Palestina durante a Primeira Guerra Mundial.

Na condição de um souvenir, o cartão postal serve como fonte em processos de reminiscências de experiências passadas. Lembranças afetivas são acessadas, além de atualizar as representações existentes acerca dos sujeitos e lugares representados pela própria imagem impressa sobre o postal. Um meio potente na atualização e difusão de imaginários a respeito do outro.

Livres de restrições culturais ou religiosas, os europeus foram os responsáveis pelo surgimento da cultura visual impressa, impulsionada a partir do século 19, com o desenvolvimento da reprodução mecânica das imagens que, por sua vez, faz parte de um contexto mais amplo, cujas origens estão situadas na Revolução Industrial.

O Colonialismo europeu ocorreu paralelamente à Revolução Industrial e ao desenvolvimento das técnicas de reprodução mecânica de imagens. Representações visuais, como a do cartão postal que faz parte desta publicação só podem ser compreendidas para além do visível por meio dessa contextualização.

Produzidas por europeus e para europeus, cartões postais, como Cairo - Cenas Nativas, "confirmaram"  olhar ocidental sobre o Oriente exótico, atualizando sua posição ocupada na ordem mundial colonialista. 

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