"Navio russo, vai se f****!": quando os selos postais vão à guerra.

"Navio russo, vai se foder!", respondeu o militar ucraniano Roman Gryboy ao ultimato dado pela frota russa que estava a cercar sua guarnição, localizada na Ilha das Serpentes, no Mar Negro, durante os primeiros dias da invasão russa à Ucrânia.

A frase de Gryboy se tornou emblemática em um conflito militar marcado pelo uso ostensivo dos meios de comunicação como arma de guerra. Brincando um pouco com o subtítulo do célebre livro de Phillip Knightley (1978), as mídias digitais como heroínas, propagandistas e fabricantes de mitos na Guerra da Ucrânia.

Navio russo, vai se f****!

Os Correios da Ucrânia, o Ukrposhta, lançaram no dia 12 de abril uma emissão comemorativa alusiva ao episódio da Ilha das Serpentes e à desaforada resposta ucraniana ao ultimato russo. Trata-se de um valor único, impresso em blocos de seis unidades cada.

Além do selo postal, também foram emitidos carimbos de primeiro dia de circulação e um envelope ilustrado para composição de FDCs, conforme é possível ver na imagem a seguir, em que foi retratado o presidente ucraniano exibindo em suas mãos uma pasta com alguns exemplares da emissão.

Figura 1: o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e o "selo do navio russo". Crédito da ilustração: Ukrposhta.

A tiragem é de um milhão de exemplares. A emissão foi ilustrada com um militar ucraniano mandando um belo vai se f**** para o cruzador russo Moskva, que participou do cerco em torno da Ilha das Serpentes. Recentemente, o Moskva foi a pique. No front  da comunicação o naufrágio do Moskva capitalizado pela propaganda de guerra ucraniana.

Em consequência, a procura pelo selo disparou e, como de costume, sua cotação no mercado filatélico chegou ao valor de 100 Euros. Imagino que, na hora que alguns exemplares dessa emissão chegarem ao Brasil, os preços poderão chegar a esse valor 😎.

Figura 2: a emissão na sextilha e quatro FDCs. Créditos das Ilustrações: Reuters; Ukrposhta.

Quando os selos postais vão à guerra.

Como diria um amigo meu chamado Valdir: "Normal, absolutamente normal". Pelo menos, desde a Primeira Guerra Mundial, as comunicações postais são mobilizadas para os esforços de guerra, através da organização de correios de campanha e da emissão de cartões, marcas e selos postais propagandísticos.

É o que reforça a imagem a seguir. Nela, aparece um envelope circulado entre Washington, D.C. (EUA, 04/VII/1942) e São Paulo (SP). A franquia isolada de 3 centavos alusiva para cartas com até 20 gramas para a América do Sul foi paga com um selo postal lançado naquele mesmo dia, conforme indica a flâmula "FIRST DAY OF ISSUE" (Primeiro dia de circulação, em uma tradução livre para o português). A emissão foi uma das diversas emissões de propaganda de guerra dos Estados Unidos, lançadas durante o período em que o país combateu na Segunda Guerra Mundial.

Figura 3: frente do envelope. Coleção do autor.

Isso sem contar a grande quantidade de flâmulas e franquias mecânicas.

Aliás, durante a Segunda Guerra Mundial, tanto os aliados quanto o eixo usaram e abusaram das comunicações postais como meios de veiculação de propaganda de guerra. Quem aqui não se lembra dos V-stempel alemães? Ou, no caso do Brasil, as cinderelas pró-Polônia e, a partir de 1942, toda uma propaganda emulada dos EUA?

Com todo esse histórico, na Guerra da Ucrânia não seria diferente.

Referência citada.

KNIGHTLEY, Phillip. A primeira vítima: o correspondente de guerra como herói, propagandista e fabricante de mitos da Criméia ao Vietnã. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1978.

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