De Nuremberg para Berlim, 1935.

A estetização da política é, possivelmente, a característica mais marcantes dos "fascismos históricos", dos quais o movimento/regime nacional-socialista faz parte.

Trata-se de um assunto exaustivamente abordado pela bibliografia especializada, a exemplo do clássico "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica", cujos trechos finais são uma denúncia da estetização da política pelos fascismos por Walter Benjamin (2012).

O Reichsparteitag.

Entre 1922 e 1938, o movimento nacional-socialista promoveu reuniões anuais historicamente conhecidas como Reichsparteitag ou Dia Nacional do Partido, em uma tradução livre para o português (WYKES, 1978).

Diferente dos eventos espetaculares promovidos entre 1933 e 1938, quando o nazismo já estava consolidado como um regime político, as primeiras reuniões foram modestas e realizadas nas cidades de Munique e Weimar. Segundo informa Alan Wykes (1978), foi somente a partir de 1927, que as reuniões anuais passaram a ser realizadas em Nuremberg.

Em seu auge, o Reichsparteitag  envolveu uma estrutura física construída especialmente para sua realização e recursos humanos e materiais que transformaram o evento na maior expressão da estetização da política pelo nazismo.

Suvenires.

O Reichsparteitag deveria marcar os corações e as mentes dos seus participantes. Para tanto, não bastava uma performance planejada em seus mínimos detalhes e executada com precisão cirúrgica. Era necessário marcar a memória dos seus participantes.

Logo, foi ofertado aos participantes desses encontros uma significativa variedade de suvenires, a exemplo das medalhas e dos cartões postais. Um mercado da memória que conferia aos seus consumidores lembrança e prestígio.

Entre 1934 e 1938, sempre no começo de setembro, os correios alemães emitiram selos postais, carimbos comemorativos, flâmulas de propaganda e demais itens postais alusivos ao Reichsparteitag. No caso dos selos, emissões com valores faciais de 6 e 12 centavos destinados aos cartões postais e às cartas circuladas dentro do território alemão (MICHEL, 2000).

De Nuremberg para Berlim.

Coleção do autor.

Em uma tradução livre para o português, o título desse cartão postal é "Vista de Spittlertor para o Castelo [de Nuremberg]". Ele foi produzido pela editora de cartões postais pertencente a um certo Paul Janke, conforme impresso no verso do próprio cartão.

Se não fosse a bandeira da Juventude Hitlerista situada bem no centro do retrato, é certo que esse cartão poderia ser considerado mais um típico suvenir de Nuremberg destinado aos seus visitantes desejosos de um boa lembrança de suas pitorescas muralhas e seu icônico castelo.

Coleção do autor.

Sobre o verso do cartão postal, o rico registro de uma história postal assim descrita: cartão postal circulado entre as cidades de Nuremberg (14/IX/1935) e Berlim (sine die). Correspondência simples com franquia isolada de 6 centavos (Mi. 586) correspondente ao porte para bilhetes e cartões postais circulados dentro do território alemão. Flâmula de propaganda alusiva ao Reichsparteitag de 1935, realizado entre 10 e 16 de setembro daquele ano.

O remetente chama-se Walter, sendo a destinatária uma mulher cujo nome é Else. A mensagem manuscrita em "gótico" destinada à ela possui o seguinte teor:

"Nuremberg 13/9, 35.

"Querida Else.

"Saudações cordiais da bela Nuremberg. Nem dormi na primeira noite. Hoje tem trabalho de barreira. O tempo está maravilhoso. [trecho ilegível].

"Heil Hitler

"Walter".

Essa tradução só foi possível devido à gentileza do meu amigo, colega e compadre Dilney Cunha, coordenador do Arquivo Histórico de Joinville - AHJ e grande historiador, cujos trabalhos transitam entre o Brasil, a Alemanha e a Suíça. Registro aqui meus mais sinceros agradecimentos.

A mensagem de Walter foi escrita em 13 de setembro, sendo postada no dia seguinte, 14, conforme indica o carimbo datador aplicado mecanicamente sobre o cartão postal. Junto com a imagem do próprio cartão postal, o selo e a flâmula de propaganda que acompanha o carimbo aplicado, forma-se um conjunto de fontes sobre um das mais significativas expressões da estetização da política pelo nazismo: as reuniões de Nuremberg.

Referências.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 2012 (Obras Escolhidas; v. 1).

MICHEL. Deutschland-Katalog 2000/2001.München: Schwaneberger Verlag GMBH, 2000.

WYKES, Alan. As reuniões de Nuremberg: os triunfos de Hitler. Rio de Janeiro: Renes, 1978 (História Ilustrada do Século da Violência; v. 5).